As luzes ainda brilham, tanto quanto brilhavam antes. Talvez menos, já
que elas não refletem mais nos seus grandes olhos azuis. Na verdade, as luzes
com quem compartilhei os melhores momentos da minha vida, atualmente parecem me
deixar patético. Provavelmente por não ter mais nossos vinte anos e aquela
esperança de que todas as noites iguais seriam diferentes. Você já perdeu
aquela esperança? Espero que não, consigo te imaginar, seja lá onde quer que
você esteja, sorrindo para a noite e para todas as histórias que ela irá
trazer. Você ainda escreve? Pergunta idiota, desculpe. Você sempre irá
escrever, sua alma pertence às palavras. Você não deve saber, mas eu ainda
tenho cada um dos textos que você escreveu para mim: o do dia em que nos
conhecemos, de todas as vezes em que você queria me bater forte por não saber
dizer como me sentia em relação a você, os que você contava nossas coisas tão
banais como se fossem um filme romântico/alternativo, todos os ‘eu te amo’, ‘eu
aceito/caralho nós vamos nos casar’ e, finalmente, ‘me desculpe, eu não posso
mais’. Você quebrou meu coração, Lily.
‘Ela quebrou meu coração’. Quatro palavras. Tão pequenas. E tão difíceis.
Foi preciso quinze anos, dois casamentos mal sucedidos, três terapeutas e
incontáveis garrafas de uísque para conseguir assumir que sim, você me
destruiu. E não foi porque me deixou, na verdade, o que fez com que tudo fosse
tão difícil e eu me transformasse nesse cara de terno com olhar distante,
bebendo em um clube no qual garotos que podiam ser nossos filhos estão tomando
seus primeiros porres e dando seus primeiros beijos é que você esteve aqui
durante esses quinze anos. Consigo imaginar sua testa franzindo e seus lábios
se inclinando, daquele jeito que me fazia pensar se você ia gritar, me beijar
ou cair em prantos. Nunca saber o que esperar; uma das coisas que eu mais amava
em você, uma das coisas que você mais detestava em mim. E sim, eram duas coisas
completamente diferentes. Desculpe comparar.
Você sempre foi intensa, tão confortável e ciente de seus sentimentos...
Eu olhava para você e sentia que era a pessoa mais incrível que eu já tinha
conhecido, você não tinha medos. Dançava com o escuro, não se importava em
gritar aos quatro ventos e abrir seu coração e seus pensamentos para um garoto
que ao primeiro olhar não tinha nada a ver com você, um idiota que mal
conseguia olhar em seus olhos sem desviar. Desde o primeiro dia em que nos
conhecemos, você me entregou tudo que tinha, foi um terremoto, destruindo minha
casa tão segura e espalhando os livros da cabeceira que eu prometia que ia ler
um dia. Eu? Bem, você sabe que eu nunca soube falar muito, meus sentimentos sempre
foram parecidos com aquela boneca russa que tinha mais dezenas de bonecas uma
dentro da outra, camadas e mais camadas. Hoje consigo entender quando você me
puxava e perguntava se eu nunca iria te deixar ver a última parte, aquela que
não se separa, a última boneca, minúscula, mas sólida.
Eu nunca te deixei entrar, assim, quem te quebrou primeiro fui eu. Não
que estejamos competindo, me desculpe, mas se pensarmos positivo, com meus
silêncios talvez eu tenha te poupado de muito trabalho. Seriam anos difíceis e
eu tenho quase certeza de que você não foi uma dessas pessoas amarguradas
remoendo lembranças, é claro que você deve lembrar de mim quando toca nossa
música, ou garotos usam meias até o alto das canelas ‘Me diz, Alex, qual o
propósito? Eu te amo, mas isso é tão feio! Se você sente frio nas pernas, por
Deus, use calças!’, praticamente posso ouvir sua risada. Será que é sua risada
mesmo? Já se passaram tantos anos, Lily, eu carreguei suas lembranças por boa
parte desse planeta, em todos aqueles lugares que você queria conhecer e eu
sempre pensei que podia deixar para depois, que às vezes acho que as lembranças
que eu guardei foram se perdendo pelo caminho.
E então estou aqui. O letreiro em neon azul diz ‘1973’. Quem dera. As
luzes parecem as mesmas, as músicas, mais agitadas. Eu, bem mais velho e um
pouco mais capaz de compreender meus próprios problemas. Você, bem, eu não faço
ideia de onde você está, espero que feliz, sorrindo com as covinhas, mas também
com os olhos. Não se surpreenda, nesse meio tempo aprendi o quanto os olhos
falam e você tinha razão, é mesmo incrível. Sinto muito por não ter visto
enquanto ainda tínhamos tempo, mas tudo parece ter passado tão rápido que se
fechar meus olhos sinto como se fosse outra noite de domingo, em que você
pegava minha mão e dizia ‘lá vamos nós de novo’. E, na verdade, por mais que o
tempo passe, mesmo que de forma cruel e eu não consiga mais lembrar sequer seu
nome, é onde nós estaremos, em um clube, em 1973.
Such a beautiful photo! :)
ResponderExcluirwww.ensembledeux.blogspot.com
Coisa mais lindahhh!!!
ResponderExcluirLindo lindo lindo
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